Entrevista Completa com o Dr. Mauricio Mata - Parcialmente publicada na CARBON Team News vol.4 (2022)

 

Introdução

O Prof. Mauricio Mata é oceanógrafo pela FURG, Mestre em Sensoriamento Remoto pela UFRGS e PhD em Oceanografia pela Flinders University of South Australia. Atualmente, ele é Professor Titular do Instituto de Oceanografia da FURG e vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Oceanologia (PPGO - FURG) e Meteorologia (PPGMet - UFPEL). Atua nas áreas de Oceanografia Física de meso e larga escala e Oceanografia Antártica. Tem especial interesse no tema do papel dos oceanos no contexto das mudanças climáticas globais e publicou diversos artigos em periódicos internacionais de alto impacto. Participa de diversos comitês nacionais e internacionais no tema Oceano, Antártica e Clima. É um dos idealizadores e atual coordenador do Grupo de Oceanografia de Altas Latitudes (GOAL), participante do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). É vice-coordenador geral, membro do comitê gestor e coordena o grupo de Oceano Austral e Gelo Marinho do INCT da Criosfera e foi membro e coordenador do CA-Oceanografia do CNPq (triênio 2018-2021). No âmbito internacional, ele foi membro do comitê científico inaugural do Southern Ocean Observing System (2012-2018) e dos comitês científicos do Climate and Cryosphere (2014-2018) e do "Joint Science Committee (2013-2018)", que é o comitê responsável pela governança científica do "World Climate Research Programme (WCRP)", este último o principal organismo internacional de coordenação de pesquisas sobre o clima. Atualmente, é membro do comitê científico do programa "CLIVAR - Climate and Ocean - Variability, Predictability, and Change", também no escopo do WCRP.

 

 

Thiago Monteiro (TM) entrevista o Prof. Dr. Mauricio Mata (MM) do Instituto de Oceanografia da FURG.

 

Conhecendo Mauricio Mata

TM: Por que você escolheu estudar oceanografia?

MM: Na minha geração, muitos acompanhavam um programa de televisão chamado “O mundo submarino de Jacques Cousteau” e eu assistia também, era muito fascinado por tudo aquilo. No meado dos anos 80, eu morava na Inglaterra, enquanto meu pai fazia o doutorado dele. Naquele momento, a gente recebeu um amigo dele, que era engenheiro da Petrobras e tinha ido acompanhar o transporte de uma plataforma desde o Mar do Norte até o Rio de Janeiro e ele falou comigo sobre a exploração de óleo offshore, sobre a importância de se conhecer o ambiente marinho etc. Então, juntando essa conversa com meu entusiasmo com o programa do Jacques Cousteau, achei que seria muito interessante um curso nesse sentido. Além disso, quando retornamos da Inglaterra, voltamos para Brasília, onde eu fui criado, mas minha família é do Rio Grande do Sul, onde eu nasci. Como eu queria voltar para o Rio Grande do Sul e só tinha o curso de oceanografia aqui, em Rio Grande, e na UERJ, no Rio de Janeiro, então eu decidi fazer o vestibular para a FURG.

 

TM: Existiu alguma resistência por parte da sua família quando você decidiu ser oceanógrafo?

MM: Não, não houve nenhuma resistência. Inclusive houve um apoio total e muito entusiasmado dos meus pais por eu ter escolhido uma carreira que seria a profissão do futuro, e em muitos casos é ainda hoje. Então, eles me apoiaram totalmente.

 

TM: Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou estudando oceanografia?

MM: Bom, primeiro foi a distância entre Brasília e Rio Grande, que são mais de 2 mil quilômetros, então não dava para ir para casa frequentemente. Então, eu sentia falta dos meus pais e meus irmão. Mas o que amenizada um pouco é que eu tenho família em Pelotas, então eu estava sempre em contato com meus familiares daqui. Até mesmo porque naquela época as facilidades de passagem de avião não eram tão óbvias como hoje. Eu pegava um ônibus de Porto Alegre até Brasília, que durava 36 horas, ou seja, saía na sexta-feira de noite e chegava em Brasília domingo de manhã. Além disso, a comunicação era muito restrita. Tínhamos que fazer fila no orelhão para ligar a cobrar para as famílias aos domingos à noite, que é quando tinha um desconto maior nas ligações.

 

TM: Tem algum cientista que te inspira? Se sim, quem e por quê?

MM: Eu participei de um Workshop na Tasmânia, em 2012, que foi um dos primeiros workshops de um grupo internacional chamado SOOS. Participando desse workshop estava um dos oceanógrafos lendários do período pós-guerra e que desenvolveu os primeiros modelos de circulação teóricos dos oceanos, que foi o Walter Munk. Eu ia dar uma das palestras do evento e ele veio falar comigo e disse: “olha, eu aguardo muito pela tua palestra”, que foi sobre o Mar de Weddell. Isso me deixou profundamente nervoso e muito honrado por encontrá-lo pessoalmente e depois bater um papo com ele a respeito disso, porque ele é uma das pessoas a gente vê nos livros e ele já tinha uma idade bastante avançada, e ainda por cima, ele estava fazendo aniversário naquele dia. Então, foi algo muito marcante.

 

TM: O que você gosta de fazer fora do ambiente acadêmico?

MM: Eu gosto bastante de cinema, de leituras e de viagens. Eu e a minha família, sempre que temos oportunidade, viajamos para diversos tipos de destinos.

 

Carreira Científica

TM: Você foi admitido como professor muito cedo e demorou um tempo até fazer mestrado e doutorado. Você acha que esse período dando aula antes do mestrado te atrapalhou, de alguma forma, ou ajudou?

MM: Sim, eu consegui o documento que atestava a conclusão do curso em meados de dezembro de 1991, que era o último dia para se inscrever no concurso para professor, no caso auxiliar, que é o início da carreira acadêmica. Eu me inscrevi nesse último dia, realizei a prova no final de janeiro e em março, com 23 anos, eu já estava contrato na FURG como professor. Então, eu dei aula para alguns colegas de turma e para alguns veteranos antes de mim. Com isso, eu fiquei envolvido com a docência por dois anos e não pude começar o mestrado. Depois me afastei para o estrado. Eu posso te dizer que esse período foi espetacular, porque eu estava novo e ingressei como professor no departamento de física, em um ambiente com outros professores de física, então pude aprender muito e sanar uma série de deficiências da nossa graduação, pelo fato de estar em um departamento de física, onde meus colegas me ajudaram muito. Aumentei bastante a minha experiência do ponto de vista acadêmico, porque eu dava aulas para o segundo ano da graduação e depois para o terceiro ano e auxiliava meus colegas nos projetos de pesquisa e nas orientações. Esse foi um período muito legal mesmo. Inclusive, quando eu comecei o mestrado depois, eu já tinha uma outra visão sobre o universo acadêmico que eu não tinha logo no momento que eu me formei.

 

TM: No momento que você acabou seus estudos, quais foram seus principais medos ou dúvidas para se desenvolver como cientista e quais foram suas primeiras experiências acadêmicas?

MM: Durante esse período de 2 anos em que eu fiquei dando aula no setor de oceanografia física, dentro do departamento de física, eu auxiliava os professores, na época os professores Garcia e Osmar, nos seus projetos, eu participava de muitos embarques, fazia coletas e ajudava nas análises. Como eu te falei, esse período foi um período de maturação para eu saber exatamente o que eu queria. Ou seja, eu tive várias experiências que me ajudaram a decidir qual caminho eu queria trilhar na carreira acadêmica.

 

TM: O que te levou a ter esse olhar especial pelo continente antártico e qual era a sua visão na época quanto à importância desses estudos para nós aqui no Brasil? O que mudou em sua perspectiva de lá até hoje?

MM: O que aconteceu foi que naquele momento, no meado dos anos 90, a atuação dos grupos da FURG no âmbito do Programa Antártico Brasileiro estava bastante marginal. Eles participaram bastante da parte pioneira, mas naquele momento a atuação ainda estava marginal. Então, houve a chance de se conseguir vagas para professores visitantes do exterior e um dos concorrentes, e que foi selecionado, foi um parceiro de longa data e que se tornou um dos nossos principais colaboradores, hoje na Alemanha, o Dr. Hartmut Hellmer. Ele estava concluindo um pós-doutorado no Lamont em Nova York e foi selecionado para ser professor visitante aqui na FURG por quatro anos. Quando estava tudo certo para ele vim, ele recebeu uma oferta para voltar para o AWI, na Alemanha, com uma posição permanente. Mas ele tinha muito apreço pelo que nós estávamos tentando fazer aqui, principalmente pelo professor Garcia. Então, ele incentivou muito e acabou envolvendo a gente em uma série de iniciativas internacionais que culminou com o nosso desenvolvimento na região Antártica. Além disso, nesse período, o professor Paulo Abreu, da FURG, participava de um projeto junto com professores do IO - USP na Antártica. Então, ele me convidou para participar, porque ele sabia do meu interesse em me especializar mais em oceanografia de larga escala e clima. Nesse momento também fiz o Treinamento Pré-Antártico. Ou seja, em todo esse contexto, eu me sentia atraído por isso, por aquelas novas perspectivas que estavam se abrindo nesse tema de oceanografia de larga escala e clima. O que mudou desse período até hoje é que antes eu tinha uma visão mais romântica da coisa e depois eu comecei a ter uma visão de onde nós poderíamos chegar com os estudos, com uma atuação mais efetiva e mais focada nos processos que nós temos interesse.

 

TM: Existe algum marco na sua carreira em que te fez perceber quão importante o seu nome era para o meio científico, especialmente para as ciências polares?

MM: Quando me convidaram para participar do comitê científico inaugural do SOOS em 2011, eu fiquei bastante lisonjeado, porque eu era o único representante da América do Sul e nós estávamos montando um sistema novo que veio sob o guarda-chuva do SCOR e SCAR para tentar organizar essas iniciativas internacionais para a observação do oceano Austral. Então eu fiquei bastante lisonjeado de poder levar a realidade sul-americana, assim como as perspectivas e anseios da comunidade para a nossa participação na discussão científica internacional.

 

TM: Você tem algum marco, algum reconhecimento, embarque, evento etc., na carreira de oceanógrafo?

MM: Em termos de embarques, de novo com os alemães, eu tive a oportunidade de embarcar no quebra-gelo alemão Polarstern, que é um dos navios mais importantes do ponto de vista científico para altas latitudes do mundo, senão o mais importante. E isso me remeteu a um evento de 1990, quando eu estava na graduação, e o Polarstern parou aqui em Rio Grande em seu caminho para a Antártica. Nesse momento, nós tivemos a oportunidade de visitar e eu pensei naquela época, no segundo ano da graduação: “um dia eu vou embarcar nesse navio lá na Antártica”. E depois isso aconteceu. E o mais legal é que esse embarque foi no inverno austral, então nós efetivamente andamos sobre o mar congelado, o navio parava diariamente e nós descíamos e caminhávamos sobre o mar, fazíamos as atividades sobre o gelo marinho. Isso foi muito legal!

 

TM: O que te motiva mais profundamente, fazer pesquisa ou dar aulas? Ou você não ver essas duas atividades como separáveis no âmbito acadêmico?

MM: Na minha opinião essas duas atividades funcionam juntas, ainda mais estando na posição que nós estamos, na universidade. Porém, elas ativam endorfinas diferentes no cérebro. A parte do ensino me cativa e me motiva demais! Eu fico realmente entusiasmado dando aula, e principalmente para as aulas iniciais da graduação, em particular. Eu gosto de dar todo tipo de aula, mas aquelas que eu dou para o segundo ano da graduação me motivam bastante, porque, naquele momento, o aluno está descobrindo uma série de coisas ainda. Então nós estamos falando não especificidades, mas estamos contextualizando e dando “alicerces” acadêmicos para eles que eles vão levar para a vida, independente da área que eles quiserem seguir. Esse ano eu completei 30 anos de docência e já tive diversos relatos de alunos que foram para diferentes áreas da oceanografia e falaram que lembraram de alguma aula minha atuando nas respectivas áreas de pesquisa deles. Então isso tem uma gratificação muito grande. Depois quando a gente avança para a pós-graduação, o ensino e a pesquisa se fundem mais ainda. Isso porque a pesquisa hoje em dia, principalmente por professores que estão envolvidos com liderança de grupos de pesquisa como eu fiquei por muito tempo, é realizada pelos estudantes de pós-graduação. Na realidade, eles efetivam e depois dão sua assinatura, em ideias originais que partiram de nós, professores, mas que não conseguimos executar mais. Então, isso é a capilarização das nossas ideias de pesquisa, que é algo muito legal também.        

 

TM: Você acredita que para ser um excelente pesquisador é preciso ser também um bom professor?

MM: Eu acho que a definição de “bom professor” é muito relativa. Mas eu acho que a atividade de docência completa bastante o pesquisador, tanto em termos do feedback dos alunos e de estarmos sempre nos atualizando, quanto em termos de que para você ensinar alguém, primeiro você tem que saber o que está ensinando. Então, quando você soma tudo isso, acaba contribuindo de sobremaneira para o pesquisador que você quer ser.

 

TM: Se você não seguisse na área da oceanografia de altas latitudes e oceanografia física, para que outra área você acredita que teria seguido?

MM: Da oceanografia, minha motivação inicial veio do colega do meu pai que trabalhava com as plataformas, então eu tinha muito interesse por geologia também. Inclusive, quando eu fiz o vestibular para oceanologia aqui, eu também estava inscrito para fazer o vestibular em geologia na UnB. Eu acabei seguindo na oceanografia aqui na FURG, mas tinha interesse por geologia também.  

 

Ciência e Sociedade

TM: Você tem liderado um excelente grupo de pesquisa que estuda a Antártica há quase 20 anos, com campanhas quase consecutivas. De que forma a interrupção das atividades por causa da pandemia de COVID-19 impactou as pesquisas?

MM: As pesquisas do nosso grupo foram bastante impactadas pela pandemia, porque uma boa parte das pesquisas realizadas pelo nosso grupo, o GOAL, dependem da manutenção de séries temporais de dados de diversos parâmetros. Com a pandemia, nós ficamos com uma lacuna, que não sabemos o que aconteceu nesses anos. Mas, nesses anos pode ter ocorrido algo muito relevante para as nossas interpretações, conclusões e, consequentemente, para nossas decisões futuras de como abordar as nossas temáticas e onde queremos chegar. Inclusive, nosso principal objetivo na próxima operação Antártica, em 2023, é tentar minimizar essa lacuna, observando em nossos pontos chave de amostragem para tentarmos manter o acompanhamento dos processos oceanográficos na Antártica.

 

TM: Nós acabamos de iniciar a década dedicada aos oceanos pela ONU. O que você espera para esta década e o que você acha que nós, cientistas marinhos, podemos fazer para envolver a sociedade nas causas levantadas pela década dos oceanos e das causas climáticas?

MM: Envolver a sociedade (nas causas climáticas) é fundamental. Hoje em dia a maior parte dos editais para financiamento de pesquisas tem uma cláusula que exige que a gente mostre para a sociedade o retorno do que estamos fazendo. Então, é fundamental que a gente esclareça para a sociedade sempre da importância do que estamos fazendo, seja para a nossa geração ou para as gerações futuras, ou para inserir o Brasil como um ator ativo no grupo de nacionais que se preocupam com essas questões. A década dos oceanos, infelizmente, começou nesse período de pandemia, que não foi muito favorável para conexões entre grupos e países, o que é efetivamente o que a ONU promove. Por exemplo, eventos para que haja sinergia entre grupos e governos a fim de direcionar recursos, financiamento e pessoas para abordar um determinado tema. Isso ficou prejudicado pela pandemia. Então, nos próximos anos dessa década nós teremos que correr atrás disso, na minha visão.

 

TM: A migração de muitas pessoas da área acadêmica para o mercado de trabalho voltado para à tecnologia, principalmente de programação, tem sido muito discutida hoje em dia. O que você acha que tem levado à essa migração e como você vê esse cenário?

MM: Entre 2018 e 2021 eu fui coordenador do Comitê de Assessoramento de Oceanografia do CNPq, que é um grupo de quatro pessoas que distribui os recursos do CNPq para alguns editais. E o que nós pudemos ver foi um cenário de completo um sub-financiamento da demanda para qualificação e para pesquisas. Então, hoje eu tenho muito claro que a minha geração falhou muito com a geração seguinte, que é a de vocês, no sentido de financiamento e atração para a parte acadêmica. Eu acho que enquanto nós não conseguirmos nivelar e regulamentar melhor o financiamento acadêmico de formação na pós-graduação, a gente não vai colher os frutos necessários do ponto de vista dos nossos cérebros serem suficientemente motivados para a academia. Em relação às pessoas indo para o setor de tecnologia... as pessoas têm que sobreviver. Se é lá onde está o fluxo de renda para as pessoas viverem dignamente, ela tem que ir para lá mesmo. Infelizmente é isso que acontece e a academia acaba ficando prejudicada. 

 

TM: O ambiente acadêmico tem sido cada vez mais competitivo. O que você acredita que a pessoa deve fazer para se diferenciar e ter maiores chances de se estabelecer na oceanografia, seja no ambiente acadêmico ou fora dele?

MM: O diferencial eu acho que é sempre se manter em vanguarda, sempre atualizado com o que está acontecendo. Como o mercado está mudando muito e a área está mudando rápido, se a pessoa “come mosca” um pouquinho, ela já é ultrapassada pelo próximo. Então, acho que é bom estar sempre se especializando, fazendo cursos, mesmo os cursos de curta duração, ampliando o seu portfólio de conhecimentos.     

 

TM: Qual conselho você daria para quem está começando a estudar oceanografia?

MM: Primeiro, fazer de coração. Fazer o que você gosta, independente do que você goste. O segundo é se dedicar ao máximo. Tem uma máxima, que eu não sei de quem é, que diz “quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”. Então, eu acho que basicamente é isso: dedicação e paixão.